segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O maravilhoso poder de ser Garçonete

Em Julho a Samantha, minha gerente no Bar Moinho, pegou literalmente em mim e levou-me ao cabeleireiro e à pedicure. Marcou-me hora, ficou comigo o tempo todo enquanto o Gil e a Marina (não se chama Marina, mas não revelo a sua identidade porque a Marina Eusébio, poderia cair na tentação de contar o estado em que encontrou os meus pezinhos) trataram de me pôr decente e a Samantha preocupada com a minha mente ainda me levou a comer caracóis às dez da noite e a beber jolas. As pessoas ainda sentem simpatia por mim, sendo que o trabalho dos dois abnegados (cabelo, mãos e pés) durou duas horas e a fictícia Marina ainda disse que eu só lá ia se começasse a dormir com os pés barrados em azeite e dentro de meiinhas. Ainda não fiz por amor ao próximo. Mas fiquei tentada.
Tinha começado a trabalhar "de garçonete" em Maio e ainda não tinha encontrado tempo para pensar ou dormir. Coisas que mais gosto na vida. Não estava nada rotinada com a jorna de uma empregada de mesa. Apesar disso já era muito mais feliz do que fui durante anos da minha vida para pesar e alegria dos que me olhavam e me viam desfeita, defeituosa dos pés à ponta da minha incrível juba ruiventa, (e isto é o máximo a que chegarei sobre o meu estado físico após o princípio da vida trabalhadeira. Não sou nem serei uma pessoa que goste de escrever sobre o medonho físico. Já o intelectual interessa-me e então e então).
E então é sobre o intelectual que quero contar, não o medonho poder intelectual dos intelectuais que adoro, mas sobre o maravilhoso-medonho poder intelectual dos serventes em, ouvir, de observar, de relativizar, sobre o poder intelectual que se tem que ter para decorar pedidos esquisitos, de saber que existem cafés sem princípio, cafés cheios mas não muito cheios, italianas, garotos de café e de limão, saladas de atum, sem atum, hot dogs sem salsichas, sem mostarda (que horror), galões em dias de fritar ovos no asfalto a acompanhar gaspachos, merdas assim. E as pessoas das pedras de gelo no café, também.
Consegui trabalhar porque pessoas queridas acreditaram em mim e no meu medo de as foder se alguém pedir o livro de reclamações, apesar de saberem como eu sou e como posso ser mais estúpida que o estúpido dos meus clientes. Consegui trabalhar, foder os meus pezinhos de jornalista, burguesinha, armada em boa, pateta, what the fuck, porque preciso e porque as pessoas que acreditaram em mim assim decidiram. Chorei no dia em que recebi a minha primeira caixinha. Ganho o mesmo que ganhava a escrever duas crónicas para os jornais em 30 dias. Entro às 11AM e saio às 19PM. Os meus pés nunca mais foram os mesmos, aprendi a ouvir (mal) as ordens, os conselhos, as regras, os clientes babacas, as famílias sem um tuste, as esquisitices dos outros.
Sei quando uma mesa vai gostar do meu serviço e não vai antes de chegar ao pé das pessoas. Sou esquisita com os feios e maravilhosa com os giros,mas isso... Sempre fui. É um problema.
Caindo na tentação do meu adjectivo preferido:  A vida é maravilhosa, eu estou bem e os meus filhos também.

Um comentário:

  1. Gostei do texto Mónica, ritmo, humor, rico em detalhes. A ciência avançada de servir bicas com todas as suas variações, entender todas as esquisitices e possidonices.
    Fico à espera do próximo post!
    Beijinho

    ResponderExcluir