Naquele dia a autora estava com preguiça. Não é que não tivesse preguiça nos outros dias todos, mas este ataque foi demais. O encontro tinha-se dado na cozinha da casa do Alentejo. Ela não esperava ver aquele livro ali, justo na bancada abaixo do crucifixo na parede e muito menos esperava que a cozinha fosse assim, nunca entrara numa cozinha onde houvesse uma rede. E um livro. Olhou em volta, viu a miúda fazendo as almondegas e quis trazê-la para ler o livro na rede. Havia algo em mulheres com as mãos sujas de farinha e em má literatura que exercia um poder chapanto sobre ela.
Não me lembro nunca de a ter visto de pé, estava sempre sentada, perna traçada, elegante e triste. Lembro-me de olhar Madame Butterfly e sentir uma aura de preguiça que me contagiava também a mim. Não sabia que o gosto dela eram as moças cozinheiras das Herdades do Alentejo. Mas então ela sentou na rede, fitou a cozinheira e abriu o livro e eu vi o olhar lascivo.
Nesse dia acordei-a, olhou-me pensativamente, e falou: Então isto não passa de um sonho? Encostei-me a ela, acalmou, voltou-se para o outro lado e caiu de preguiça mórbida, achei eu convencido da doença. Só depois, quando lhe fui ver o pulso, vi os três piriris com que lidava com as dificuldades da vida moderna na mão.
Ana Binder, Mónica Tiple e Mónica Marques agradecem o querido Pélé.
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